No Vale do Silício, alguns nomes viram lendas. O fundador da Apple, Steve Jobs, o dono da Microsoft, Bill Gates, e o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, são alguns deles. Num patamar logo abaixo vem o grupo dos “quase-lendas”, no qual está o americano Peter Thiel.
Em 1998, quando saiu do banco Credit Suisse, Thiel fundou o PayPal, empresa de pagamento eletrônico. Cinco anos depois, vendeu o negócio ao eBay por 1,5 bilhão de dólares. Em 2004, Thiel fez um investimento-anjo no Facebook, o primeiro que a rede social recebeu. Quando o negócio de Zuckerberg virou um sucesso, Thiel consagrou-se como um investidor visionário.
Hoje, é considerado um dos nomes mais importantes do Vale do Silício e tem uma fortuna estimada em mais de 2 bilhões de dólares. Nos últimos anos, colocou dinheiro em startups que crescem exponencialmente: o site de aluguel de quartos Airbnb, a montadora de carros elétricos Tesla Motors, a rede social LinkedIn e a empresa de big data Palantir, avaliada recentemente em 9 bilhões de dólares.
Thiel raramente dá entrevistas. Apesar disso, é conhecido por suas opiniões polêmicas. Embora tenha estudado em Stanford, na Califórnia, umas das mais prestigiadas universidades do país, ele criou em 2010 uma fundação com um propósito inusitado: financiar, com até 100 000 dólares por ano, 20 jovens com menos de 20 anos que desejem sair da faculdade para empreender.
No começo de setembro, lançou nos Estados Unidos seu primeiro livro, De Zero a Um, que chega ao Brasil neste mês. Desde então, o livro é o mais vendido da seção de negócios nos Estados Unidos.
EXAME – O senhor diz que a inovação pode acontecer em qualquer lugar. Mas, se olharmos para o Vale do Silício, notamos que o contexto ajudou muito. Por que não há mais lugares assim?
Peter Thiel – Acredito que inovação pode acontecer em qualquer lugar. Mas essa não é uma pergunta fácil de responder. Ninguém realmente sabe por que o Vale do Silício é como é. Talvez o clima seja agradável, talvez haja um ambiente que crie uma rede eficiente de contatos. Mas, na área de tecnologia, se alguém está tentando criar algo novo, o foco deve ser global.
É claro que há a internet em português no Brasil ou a internet em chinês na China. Mas a maioria dos negócios de tecnologia está fundamentada em um mercado global. No Vale, você aprende a ter bom senso sobre o que está acontecendo no mundo todo. Se você é o melhor no Vale, há uma boa chance de que seja o melhor do mundo naquilo que desenvolveu.
O que faz uma startup ter sucesso no Vale do Silício, um dos lugares mais competitivos do mundo?
No Vale do Silício, as empresas que fazem sucesso são únicas. Os fundadores saem em busca de um negócio no qual outros não pensaram antes. Essas empresas são detentoras de uma tecnologia disruptiva, não enfrentam concorrência e detêm o monopólio daquela tecnologia.
O Google tem o monopólio da busca, a Microsoft, dos sistemas operacionais, e a Apple esteve perto de ter o monopólio dos smartphones, mas ainda assim tem o monopólio da marca e da rede que criou. São esses monopólios de tecnologia que fazem as empresas diferentes e muito valiosas.
E como os monopólios são criados?
É preciso ter uma tecnologia que seja a melhor. Só assim a empresa ganha tempo e evita que alguém a copie. Quando se começa uma empresa, é preciso começar pequeno e mirar um mercado pequeno. É um erro ir atrás de grandes mercados, porque há muita competição.
Ninguém quer ser um peixe pequeno em um oceano gigante. Pode-se ter também um monopólio criando uma rede de distribuição eficiente ou uma economia de escala boa, ou mesmo uma marca poderosa. A Coca-Cola é um monopólio. Outras empresas fazem um refrigerante parecido, mas a marca é muito forte, e as pessoas a preferem a qualquer outra.
Para uma startup ter sucesso, ela precisa criar uma nova demanda?
Não diria que a empresa cria a demanda, mas certamente as pessoas não tinham percebido que a demanda existia. Não sei se Jobs criou a demanda por iPhones. As pessoas talvez já quisessem celulares que fizessem coisas diferentes.
Mas ele criou um produto que se encaixou numa demanda que, de alguma forma, era latente. E isso não surge de pesquisas de marketing, de questionários ou coisas do gênero. Surge de uma percepção aguçada do que os consumidores realmente querem.
Quais são os passos cruciais depois de ter uma ideia inovadora?
Normalmente, pergunto aos fundadores de uma startup sua história anterior à empresa. O que faziam antes de começar o negócio, onde se conheceram. Se eles se encontraram uma semana antes e decidiram formar uma sociedade para criar um negócio, não é um bom sinal. Mas, se eles se conhecem há anos, falam e pensam sobre aquele negócio há muito tempo, é um bom caminho.
A maneira como a equipe trabalha é muito importante. Uma startup de sucesso é sempre resultado de uma combinação de três elementos essenciais: pessoas certas, boa tecnologia e um plano de negócios. Uma empresa bem-sucedida não é resultado de um voo solo.
É diferente de muitas carreiras em que é possível fazer sucesso trabalhando sem uma equipe, como um advogado que consegue trabalhar bem sozinho. Uma startup precisa de uma boa equipe. O ponto mais crítico de uma empresa no começo é as pessoas entenderem como vão lidar com os pontos altos e baixos do negócio. Momentos ruins vão acontecer e é nessa hora que a empresa não pode explodir.
O senhor é a favor de as startups terem um plano bem estruturado com um papel claro para cada pessoa. Assim são as empresas grandes. Isso não coibe a inovação?
A empresa nunca deve ser burocrática. Ela precisa ser dinâmica. Os papeis precisam ser bem definidos, mas podem ser redefinidos. Quando eu era presidente do PayPal, a cada três meses revisava o organograma para ver se a estrutura ainda fazia sentido. Quem está mandando em quem? Isso está funcionando?
Nas empresas que estão começando, os papéis são fluidos e, às vezes, estão tão diluídos que se confundem, o que gera conflito. E, nesse momento, o que se quer é evitar conflitos internos, mas ao mesmo tempo é preciso permitir que os papéis mudem quando necessário. Só dessa maneira problemas podem ser enfrentados quando surgem. As pessoas menosprezam o que não conhecem.
Aqueles com uma carreira de engenharia ou científica normalmente subestimam os desafios do negócio. E os que são bons de negócio geralmente subestimam os desafios científicos ou de engenharia. Eu sou fã de negócios em que uma pessoa é mais técnica e a outra é mais do negócio. São habilidades que se complementam.
No passado, as empresas eram protegidas por direitos autorais. Até que ponto negócios como o Facebook, uma plataforma que pode ser copiada, são mais vulneráveis?
As empresas baseadas em rede são robustas. Mesmo a Microsoft criou uma rede. As pessoas poderiam usar outro software, mas não seria eficiente, porque todo mundo estava usando o sistema da Microsoft. No fim, essa rede foi mais importante para a sobrevivência da empresa do que os próprios direitos autorais.
De que forma startups como Airbnb, LinkedIn ou Facebook, nas quais o senhor tem investimentos, vão sobreviver no futuro?
Eu sou do conselho do Facebook, não posso falar muito. Mas a questão é que essas tecnologias têm certa resistência. Ninguém consegue desenvolver algo melhor do que elas oferecem no curto prazo.
E, uma vez que os clientes estão usando essa tecnologia, eles não a trocam facilmente. Mas, sem dúvida, continuar inovando é uma questão crítica e nada garante que essas empresas vão manter a liderança. O Facebook terá de pensar, por exemplo, sobre como vai lidar com a questão crucial da privacidade e da segurança da informação. Isso é algo que precisa melhorar.
Como startups que se tornaram empresas gigantes, como Google e Microsoft, conseguem continuar inovando?
Acredito nas empresas que são lideradas pelo fundador. Acredito no Google, na Amazon ou no Facebook porque Larry Page, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg, respectivamente os fundadores e presidentes dessas companhias, continuam impulsionando a inovação.
Quando o fundador sai ou morre, como Steve Jobs, fica mais difícil fazer isso. É o fundador que tem autoridade para fazer mudanças. A inovação vem do topo.
Várias grandes empresas criaram, nos últimos anos, um departamento para investir em novos negócios e inovar. Isso funciona?
Normalmente não. E é importante entender o porquê. Não há razão para a inovação não acontecer em uma grande empresa, no governo ou numa ONG. A inovação pode ocorrer em muitos contextos. E, na maioria das vezes, as grandes empresas têm vantagens em relação às startups.
Têm mais capital e pessoas talentosas. Mas, geralmente, há muitas amarras políticas. As estruturas internas são conservadoras e preferem as coisas que já existem a fazer algo novo. A inovação precisa, então, ser orientada por um líder carismático. Isso ocorreu quando Steve Jobs voltou para a Apple em 1997.
A empresa já era grande, tinha centenas de funcionários. Jobs fez a Apple mudar radicalmente de um negócio de computadores para o de eletrônicos de consumo. É possível haver inovação em uma grande empresa, mas ela tem de vir do topo.
Em seu livro, o senhor diz que a China não inova e não faz nada além de copiar produtos e montá-los em escala. A China não tem um papel importante na economia global?
Não acho que a China não possa inovar ou que exista algo na cultura chinesa que impeça o país de ser inovador. Mas a China não precisou inovar porque copia as coisas que funcionam no Ocidente. Se não fizer nada além disso, e ainda assim conseguir fazer sua renda per capita alcançar a americana ou a europeia, então certamente a China se tornará importante politicamente.
Isso mudará radicalmente o mundo. Já os Estados Unidos, a Europa e os países desenvolvidos precisam fazer coisas novas. Esse é, de longe, o maior desafio para essa parte do mundo.
O senhor é um crítico ao modelo atual de educação. O que existe de errado com ele?
A educação atualmente é somente uma credencial. Com ela, a pessoa vai para a faculdade, ganha um diploma e consegue um bom emprego. Nos Estados Unidos ainda existe esse grupo de poucas universidades, no qual todos querem estar, mas poucos conseguem entrar. E, uma vez lá, as pessoas acabam trabalhando em bancos ou em escritórios de advocacia.
Mas não há uma única forma de aprender e um só caminho que as pessoas devam seguir. Nunca afirmei que todos devam ser empreendedores ou trabalhar com tecnologia, mas precisamos estar abertos para uma sociedade em que as pessoas possam fazer diferentes coisas, e não seguir apenas esse caminho estreito.
Qual o papel da tecnologia no mundo atualmente?
Não sou utópico em acreditar que a tecnologia automaticamente faz do mundo um lugar melhor. Há muitos problemas, porém, que só podem ser resolvidos com tecnologia. O padrão de vida em locais como Brasil ou China precisará da tecnologia para ser melhorado. Isso porque há limites de recursos naturais no mundo.
Precisamos, por exemplo, pensar em maneiras de construir casas de forma mais eficiente. Por isso, a tecnologia é essencial para fazer o mundo melhorar. Algumas doenças, por exemplo, só terão cura por causa de novas tecnologias. Poderemos curar a demência. Não são todas as tecnologias que farão o mundo melhor, mas sem tecnologia o mundo definitivamente não será melhor.
E como o senhor vê o cenário de startups no Brasil?
Há um grande desafio para as startups brasileiras: elas querem ser as melhores no Brasil ou no mundo? Há espaço para os dois caminhos, mas naturalmente é mais fácil serem as melhores no mundo da internet que fala português.
Já analisamos várias startups brasileiras e investimos na Oppa, que vende móveis. Estamos mais focados nas empresas do Vale do Silício, mas estamos sempre abertos a novos negócios.
Fonte: INFO