Dono da Flytour, companhia de turismo com faturamento anual de R$ 4 bilhões, Eloi de Oliveira fugiu de casa aos oito anos para escapar dos maus-tratos do cunhado alcoólatra.
Foi menino de rua, dormiu em albergues e, com os dentes quebrados, teve dificuldades para arrumar um emprego até encontrar Stella Barros, que lhe deu uma oportunidade de trabalho e um sofá para dormir na maior agência do país à época.
Sou de uma família pobre, de Esteio, no Rio Grande do Sul. Fui o 14º de 15 filhos. Quando minha mãe faleceu no parto do último, meu pai começou a dar as crianças a amigos e parentes. Foi minha irmã, que tinha 14 anos e já era casada, quem me pegou e quis me criar, em Porto Alegre. Ela fazia pastéis, e eu, um menino gago, vendia depois da escola.
Hoje tenho uma empresa de turismo que fatura R$ 4 bilhões por ano, com 2.700 funcionários e 220 escritórios. A Flytour tem 40 anos, sempre atendendo só clientes corporativos e agências. Mas daremos um novo passo neste ano. Entramos no varejo. Vamos vender lazer diretamente para a pessoa física. Até 2018, serão 426 novas lojas, principalmente em shoppings, para concorrer com CVC, Marsans e outros.
Eu tinha oito anos quando fugi de casa pela primeira vez. O marido da minha irmã bebia muito. Ele era agressivo e isso ficou insuportável. Escapei num dia em que ele me deu dinheiro e mandou ir buscar pinga.
Fiquei no centro da cidade, até que o juizado de menores me prendeu. Então eu tive que voltar a vender pastéis. Mas, na primeira oportunidade, fugi de novo.
Nas ruas, eu ouvia falar de São Paulo. Por isso resolvi pedir carona e viajar. Ia de cidade em cidade, mentindo que tinha uma tia na cidade seguinte. Na época era fácil.
Assim cheguei à praça da Sé e fiquei lavando carro até ser preso de novo pelo juizado e mandado de ônibus a Porto Alegre. Quando cheguei, entrei numa loja e inventei que era de São Paulo. Ajudaram-me com uma vaquinha e eu viajei de volta.
Numa dessas viagens, parei para trabalhar numa padaria. Por acidente, derrubei os pães e o padeiro me xingou. Chamei-o de “corno”, ele me deu um soco na boca e perdi os dentes.
Na segunda vez em São Paulo, fui para a rodoviária. Tinha nove anos. Engraxei e vendi jornais, mas sentia medo de ser preso. Um dia, um senhor me viu e me levou para a casa dele, onde trabalhei areando panela e cuidando dos netos. Enquanto isso, arrumei também serviço numa casa de malas.
Fiquei assim até os 12 anos, quando decidi ir embora para o Rio com dois amigos adolescentes. Acho que trabalho no turismo porque viajar está no sangue. Toda criança nasce com um dom. Então eu deixei o serviço e a casa e fui fazer meus documentos num cartório no viaduto do Chá. Senti como se eu tivesse voltado para a rua e pensei em me jogar do viaduto. Mas resisti. Consegui os documentos e viajamos.
Perto do Copacabana Palace, fui para o que sabia fazer bem: lavar e guardar carro. Sempre fui bom vendedor. Acabei fazendo amizade com um guia turístico que me deixava cuidar das vans. Ele me ofereceu um emprego fixo na Stella Barros, que era a maior agência do país. Virei office boy. Naquela época, usavam muito boy, pois quem emitia a passagem era a companhia aérea.
Quando soube que não tinha onde dormir, vovó Stella me deixou usar o sofá da empresa. Eu tinha que levantar antes que todos chegassem e só podia me deitar quando o último funcionário saísse. O sofazinho eu mantenho até hoje, em todas as nossas agências, porque eu acho que quando você cresce tem que lembrar de onde veio. Humildade é uma coisa que nunca quero perder, mesmo que eu ganhe muito dinheiro. Arrogância é ignorância.
Lembre-se que eu não tinha os dentes. É difícil achar emprego sem dente. Foi vovó Stella que me levou na faculdade de odontologia e os alunos fizeram o tratamento. Ela também me ensinou a falar o português correto.
Não voltei à escola, mas tenho uma coleção de 4.500 crachás de congressos de que participo e palestras que dou. É meu diploma, minha formação. Enquanto fiquei no Rio, com frequência visitava minha irmã no Sul. Passava em São Paulo, corria na rua José Paulino para comprar malhas e subia em outro ônibus para Porto Alegre, onde ganhava um dinheiro vendendo as roupas. Você nasce vendedor, mas, quando tem dificuldade, fica melhor.
No Rio, fiquei até os 17 anos, quando minha irmã se mudou para São Paulo com seis filhos. Resolvi ajudá-la. Consegui emprego no Bradesco e ficamos num cortiço na Barra Funda. Aos 20 anos, me casei e aluguei um apartamento no Copan. Hoje tenho minha esposa e quatro filhos. Mas começamos do zero. Eu trabalhava no Bradesco, na LAP (Linhas Aéreas Paraguaias) e na rodoviária, como fiscal de plataforma, até a meia-noite.
Aí roubaram nosso fusquinha, perdi o emprego e meu sogro quis buscar minha mulher porque estávamos em muita dificuldade. Mudamos para a casa dele e comecei tudo de novo, três empregos simultâneos. Hoje, tenho de novo um fusquinha preto, que uso para vir trabalhar.
Quando meu filho nasceu, eu já tinha alugado um apartamento e estava muito bem, como diretor de vendas na LAP, para onde tinha voltado. Infelizmente, a empresa teve nova crise e fui mandado embora mais uma vez. Neste país, quando você perde o emprego, perde a dignidade. Fiquei desesperado.
Aí encontrei um hoteleiro, da Panamericana de hotéis, que me chamou para ser representante dele no Brasil. Ele me deu a oportunidade de abrir um escritório próprio. Assim, em uma mesa emprestada dentro de um hotel, nasceu a EDO, que hoje é a Flytour, em 1974. Empreender é saber vender. Por isso eu coloco um V no meio da palavra: emprevendedor.
Fonte: FOLHA