Mayra Freire: autonomia para trabalhar sem ordens de chefe
Descontente com a falta de qualidade de vida que a carreira corporativa proporcionava, a publicitária Mayra Freire, de 32 anos, de São Paulo, decidiu abandonar uma história de nove anos em departamentos de marketing para repensar a profissão. Em busca de maior autonomia para realizar seus projetos e de remuneração melhor, resolveu prestar serviços como consultora de imagem.
Hoje trabalha de maneira independente, leva uma vida mais regrada e só trabalha com o que gosta. “Escolher com quem quero trabalhar e saber que o sucesso nos resultados só depende de mim não tem preço”, diz Mayra.
Antes visto como um bico que mantinha o profissional ativo e remunerado até um emprego fixo aparecer, nos últimos anos o trabalho autônomo cresceu como oportunidade de carreira. O número de empregos temporários qualificados está aumentando. Uma estimativa da empresa de recrutamento Robert Half indica que, para cada vaga com carteira assinada, há quase duas vagas de serviços com tempo determinado.
São cargos que, segundo a própria consultoria, têm salários até 30% maiores do que empregos fixos semelhantes. Outro sinal de que o trabalho autônomo é cada vez mais abraçado por profissionais brasileiros é o número de inscrições de microempreendedores individuais (MEIs), modalidade de negócio para aqueles que não planejam ter sócios.
Desde que essa categoria foi criada, em 2009, para formalizar serviços autônomos diversos, foram abertas mais de 4 milhões de empresas. Segundo a Serasa, empresa de cadastros, de cada quatro companhias abertas no Brasil atualmente, três são MEIs. Essa tendência deve se fortalecer com a lei que estende de seis para nove meses o prazo máximo de um contrato provisório para pessoa física, que entrou em vigor em 1o de julho deste ano.
Essas informações vêm ao encontro de um anseio dos profissionais por maior autonomia de trabalho, flexibilidade de horário e qualidade de vida. A perspectiva de poder ter mais de uma fonte de renda, em alguns tipos de ocupação provisória, também desperta o interesse de profissionais.
Dados da LHH|DBM, consultoria de recolocação de São Paulo, mostram que 30% das pessoas interessadas em se recolocar já optam por modalidades de trabalho autônomo. “O emprego formal sempre vai existir porque muita gente prefere a estabilidade, mas há profissionais que desejam ter mais liberdade”, afirma Irene Azevedo, diretora de negócios da LHH|DBM.
Caminhos para a liberdade
Quem deseja ter uma carreira mais independente tem, basicamente, três caminhos a seguir. O mais simples é o emprego temporário, que garante ao funcionário todos os direitos da CLT, exceto multa do FGTS e cumprimento de aviso prévio, uma vez que a duração do contrato é conhecida desde o primeiro dia. A relativa estabilidade tem a desvantagem de interferir na autonomia. A pessoa terá chefe e horário fixo.
Trabalhar como autônomo sem abrir uma empresa não é recomendável, pois o imposto cobrado, de 27,5%, é alto, além de muitas companhias exigirem nota fiscal de empresas. A solução acaba sendo a abertura de uma microempresa, meio mais comum e sobre o qual a incidência de impostos é menor.
As empresas mais comumente abertas para esse fim são as de regime de tributação simples, como o MEI e também a empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli). Também é possível criar uma empresa Ltda., que exige pelo menos mais um sócio, ou sociedade simples, cooperativa prestadora de serviços estritamente intelectuais.
Seja qual for o regime escolhido, a parte mais importante para o profissional é definir como trabalhará e como venderá seu conhecimento. Há diversas maneiras de fazer isso — se vendendo como um especialista mais técnico, que coloca a mão na massa, ou como um profissional mais consultivo e estratégico.
“O segredo para manter-se sempre empregado em projetos diferentes é ter um conhecimento que ninguém mais tenha”, afirma o americano Todd Severson, diretor de serviços do comitê organizador da Olimpíada de 2016.
Aos 42 anos, ele trabalha em seu décimo comitê olímpico. A opção de trabalhar por projetos lhe proporciona novos desafios a cada dois anos, praticamente, já que também participa de outros eventos, como os Jogos Panamericanos. “Saber a data final do trabalho me ajuda na preparação para o próximo, mas a parte mais desafiadora é que nunca posso estender o prazo de entrega.”
Camila Fontana / VOCÊ S/A
Hugo Rodrigues, da Publicis: autonomia tem riscos
Prós e contras
Abrir mão dos privilégios de um trabalhador comum não é tarefa fácil. “Quando o negócio vai mal, o prejuízo de um funcionário é de responsabilidade do patrão, ao passo que a ruína do autônomo não pode ser delegada a ninguém, senão a ele mesmo”, diz André Barcaui, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
As preocupações do autônomo são maiores e exigem disciplina. Ele precisa pensar nas finanças, no pagamento de impostos de todos os tipos, na prospecção de clientes, nas férias não remuneradas, na inexistência de licença-maternidade, no pagamento a fornecedores etc.
“Todo mês, quando recebo meu contracheque, penso como é bom ser empregado”, afirma Hugo Rodrigues, de 44 anos, diretor de criação da Publicis, agência de publicidade de São Paulo. Há 23 anos, Hugo abriu mão da carreira de publicitário iniciante para tocar um pequeno negócio de fabricação de espuma para colchões.
O empreendimento quebrou em pouco mais de dois anos. “Empolgado com a perspectiva de ganhar mais, descobri muito cedo as dores de ser dono do próprio nariz”, diz Hugo, que adverte que retomar uma carreira antiga como funcionário também é um desafio.
Senioridade em alta
Entre profissionais mais velhos, o desejo de liberdade também é recorrente. Há inúmeros casos de especialistas que, em estágios avançados da carreira, largam as corporações para prestar serviços como consultores.
“As empresas costumam contratar especialistas para projetos específicos, pois o salário deles é alto”, diz André Marinho, sócio da PwC, rede global de serviços de assessoria empresarial, de São Paulo. A vantagem é a possibilidade de prestar serviços para vários clientes ao mesmo tempo, ganhar mais e ampliar os contatos.
Depois de 37 anos como executivo, José Luiz Castrese, de 62 anos, ex-presidente da divisão de consumo e indústria da General Electric, multinacional de tecnologia, criou a própria consultoria e passou a equilibrar melhor a vida profissional e a pessoal. “Não saí da GE porque estava infeliz, pelo contrário, mas sentia vontade de diversificar meu leque de atividades e ter mais autonomia na tomada de decisões”, diz.
“Planejei por quatro anos minha transição, avaliando tudo o que poderia me fazer falta da carreira corporativa, e sinto que valeu a pena, pelo novo universo que se abriu e também por ter mais tempo de lazer.”
Siga seu perfil
As vantagens e desvantagens de escolher esse tipo de trabalho dependem de seu perfil. Se a vontade de liberdade para trabalhar do seu jeito sobrepõe-se à necessidade de previsibilidade e segurança, ser autônomo é o ideal. Estar formalmente empregado traz uma falsa sensação de segurança porque as leis de defesa do trabalhador não impedem ninguém de ser demitido a qualquer momento.
Em tempos de crise econômica, nenhuma companhia pode garantir emprego a todos. A máxima de fazer um bom trabalho e ter uma rede ativa de contatos é o que garante a empregabilidade tanto de um funcionário, quanto de um autônomo.
Segurança é você se garantir, seja qual for o caminho escolhido. Se a busca de autonomia no trabalho segue uma tendência mundial, não há por que ter medo de embarcar em uma carreira independente.
Fonte: EXAME